Perspectiva Histórica

Metadona e Terapia de Substituição em heroinómanos

A metadona foi desenvolvida no final dos anos 30 na Alemanha Nazi em antecipação à possível falta de ópio e seus derivados durante a guerra que se avizinhava. Em tempo de guerra a função dos analgésicos é bastante importante para os militares e também para a população civil. Foi testada por médicos profissionais no exército alemão em 1939-40, mas foi decidido que era demasiado tóxica e com grandes possibilidades de dependência após uso prolongado (ou simplesmente habituação).

À metadona na altura foi dado o nome de Dolophine que deriva do Latim "dolor" que significa dor, e phine que significaria no seu conjunto "fim da dor". Em 11 de Setembro de 1941 Bockmühl e Ehrhart preencheram uma aplicação para uma patente para uma substância sintética que eles chamaram de Hoechst 10820 ou Polamidon (um nome que ainda se usa na Alemanha) e cuja estrutura química não tem qualquer relação com os opiáceos naturais tipo a morfina e codeína, (Bockmühl e Ehrhart, 1949).
Mas foi só após o fim da 2ª guerra mundial que a metadona foi descoberta nos arquivos secretos dos alemães. Os E.U.A. foram responsáveis pela pesquisa posterior.
Anos depois, depois de comprovadas as suas propriedades analgésicas, surgiu a ideia de que a metadona poderia ajudar a tratar a dependência em morfina e heroína. Contudo, estudos mostraram que a potência aditiva da metadona é similar à destes dois estupefacientes.

O Primeiro Estudo

O primeiro estudo sobre o uso de metadona no tratamento de consumidores de heroína remonta ao ano de 1965, em Nova Iorque, nos E.U.A., conduzido por Dole e Nyswander.
Um grupo de 22 homens voluntários adictos de longo termo à heroína aceitaram entrar num estudo com três fases:

  • Na primeira, com a duração de seis semanas, os pacientes foram admitidos numa enfermaria de um hospital para uma avaliação física e mental. Após a primeira semana de hospitalização os voluntários eram livres para deixarem a enfermaria, vulgarmente – mas não sempre – acompanhados por um membro da equipa hospitalar.
  • Na segunda fase, os pacientes foram tratados em regime de ambulatório, voltando todos os dias para a medicação de metadona. A metadona era administrada na presença de uma enfermeira e era recolhida uma amostra de urina para análise. Nesta fase a assistência foi alargada à oferta de postos de trabalho, casa e acesso à educação.
  • Na terceira, o tratamento com metadona objectivava uma reabilitação social e a estabilização. A supervisão clínica manteve-se igual à da segunda fase.

Na primeira fase eram administradas aos voluntários doses orais gradualmente mais elevadas de metadona. Esses pacientes com graves ou moderados síndromes de abstinência foram aliviados imediatamente com uma ou duas doses (consoante o caso) de 10 mg de sulfato de morfina administrado intra-muscularmente, e só depois se iniciou um tratamento oral de metadona com 10 a 20 mg duas vezes por dia. Durante as quatro semanas seguintes a dose de metadona foi gradualmente aumentada até um nível de estabilização entre as 50 e as 150 mg de metadona por dia. No fim do período de estabilização, a dose de metadona foi reduzida a uma por dia administrada pela manhã.
Os resultados deste estudo mostraram que a metadona possui três efeitos benéficos: alivia a chamada "fome narcótica" por heroína; bloqueia os efeitos eufóricos da heroína usada ilicitamente; tem uma duração de 24 horas.
Todos os sujeitos envolvidos no estudo declararam que as tentativas anteriores de se absterem do uso de heroína falharam devido à persistência da "fome narcótica" após abandonarem as unidades de desintoxicação. A alguns dos sujeitos em tratamento foi administrada heroína. Eles disseram que não experienciaram os seus efeitos usuais. Após esta experiência os autores Dole e Nysmander concluíram que a metadona é capaz de bloquear a euforia do uso adicional de heroína. Estas descobertas marcaram o início do uso da metadona como droga de manutenção para o tratamento de heroíno e morfino dependentes.

Em Portugal...

Os programas de redução de danos, onde se incluem os programas de substituição com metadona, são uma das modalidades de tratamento da toxicodependência. Em Portugal, até 1992, todos os Centros de Atendimento a Toxicodependentes (CAT’s), excepto o CAT da Boavista, tinham os seus programas de tratamento vocacionados para os programas livres de droga, a modalidade que propõe a abstinência como meta irrenunciável. Nos anos 90, o envelhecimento de muitos toxicodependentes e a disseminação de doenças infecto-contagiosas levou a que os programas de substituição se alargassem a diversos CAT’s.
No tratamento da toxicodependência conhecem-se duas modalidades. Os programas de redução de danos distinguem-se dos programas livres de drogas por não terem a abstinência como objectivo primordial. A abstinência e alteração dos hábitos de vida não são recusadas, mas procura-se acima de tudo melhorar a qualidade de vida dos toxicodependentes, de acordo com as suas necessidades.
Os programas de redução de danos tentam minimizar os efeitos negativos do consumo de drogas através de estratégias sociais, sanitárias e terapêuticas. Reduzir o contágio de doenças como a SIDA e a hepatite C, estimular o uso do preservativo, fomentar a higiene nos consumos e a utilização dos serviços médicos básicos, são objectivos essenciais destes programas.
Os Programas de Manutenção com Metadona utilizam um opiáceo sintético, o Cloridrato de Metadona, para substituir alguns efeitos da heroína. A metadona é administrada por via oral e em boas condições de higiene, reduzindo os problemas sanitários e os riscos de doença.
Fundado em 1976, o Centro de Estudos e Profilaxia da Droga (CEPD) do Norte, hoje CAT da Boavista, desde logo vocacionou a sua intervenção no sentido da utilização de programas de substituição com metadona. Foi o único centro a utilizar este modelo terapêutico até 1992. O CAT de Leiria e o CAT de Olhão foram os primeiros a aderir a esta modalidade terapêutica depois do CAT da Boavista.
Um outro derivado sintético usado em programas de substituição é o L.A.A.M. (Levo Alfa Acetilmetato). O primeiro centro da Europa a utilizar este substituto opiáceo foi o CAT das Taipas em 1994. O L.A.A.M. tem um efeito mais prolongado que a metadona, evitando que os pacientes se desloquem aos dispensários diariamente e facilitando a sua integração social.
Os programas de manutenção com metadona e com L.A.A.M. coexistem com os programas livres de drogas nas instituições públicas que em Portugal tratam a toxicodependência: os CAT’s, as Comunidades Terapêuticas, as Clínicas de Desabituação e os Centros de Dia. Os CAT’s, unidades de tratamento em ambulatório, e as Clínicas de Desabituação, unidades de internamento para desabituação física são de acesso gratuito. Nas Comunidades Terapêuticas, unidades de tratamento em regime de internamento prolongado, o acesso é gratuito se forem públicas e comparticipado se forem privadas. O mesmo acontece com os Centros de Dia que funcionam em regime ambulatório.
Até 1987 os Centros de Estudos e Profilaxia da Droga (CEPD) do Norte, Centro e Sul, dependentes do Ministério da Justiça, eram as únicas unidades estatais especializadas no tratamento de toxicodependentes.
A partir da criação do CAT das Taipas, em 1987, criaram-se novos CAT’s que hoje cobrem todos os distritos do país. Os CAT’s são coordenados pelo Serviço de Prevenção e Tratamento da Toxicodependência (SPTT), criado em 1990 e dependente do Ministério da Saúde.
As terapias de substituição em Portugal são da exclusiva responsabilidade dos serviços estatais e dependem da autorização do SPTT. A generalidade dos serviços que usam destas terapias são CAT’s, com excepção dos Serviços de Psiquiatria dos Hospitais de Santa Maria em Lisboa e de S. João no Porto e, o Centro de Saúde de Sines no Alentejo. Também nas unidades de tratamento de toxicodependentes do Estabelecimento Prisional do Porto e do Estabelecimento Prisional de Tires existem programas de substituição.
Alguns CAT’s utilizam os Centros de Saúde para administração dos seus programas. O SPTT tem ainda um Protocolo de colaboração com a Ordem dos Farmacêuticos e Associação Nacional de Farmácias no âmbito do programa de Substituição Narcótica com Metadona. Os CAT’s podem enviar a farmácias da sua zona pacientes em boa evolução para a toma diária de metadona, desde que estes se mantenham em seguimento nos CAT’s.

Bibliografia: